Tradiçao, Usos, Costumes e Linguagens do Mar


      Os homens do mar, há muitos séculos, vêm criando nomes para identificar as diversas partes dos navios e designar a praxe de suas ações as quais, pela repetição, tornaram-se costumes. Naturalmente, muitas particularidades e expressões da tradição naval lembram, às vezes, aspectos da vida doméstica ou de atividades em terra.
      O mar cobre três quartas partes da superfície terrestre e tem uma grande influência na vida dos homens. Na realidade, a maior ou menor capacidade de uma nação em utilizá-lo, como fonte de riqueza ou de alimentação e, ainda, mais tradicionalmente, como via de transporte e comunicações, decorre, através dos séculos, percepção, como país, das aspirações nacionais. Hoje em dia, apesar das conquistas espaciais, vemos, na disputa pela supremacia marítima, comercial e militar, o reconhecimento dessa realidade pelas grandes potências.
       O Poder Marítimo é a capacidade de uma nação utilizar o mar: é a marinha de guerra e mercante, é a frota pesqueira, são os navios de pesquisa, as escolas de formação de pessoal, as escolas de técnicos em assunto marítimo, a indústria naval e tudo o que se relaciona com o mar, com a consciência da necessidade de utilizá-lo, surgindo daí, a mentalidade marítima.
     É óbvio que os navios, mesmo sendo pequenas cidades espalhadas por uma enorme área, fazem contato entre si, nos portos ou na imensidão oceânica. Vivendo experiências semelhantes, os marinheiros sempre se ajudam uns aos outros e trocam conhecimento. Por eles foram criados, e continuam a sê-lo, costumes, usos e linguagem comuns: tradição do mar. É fácil entender o poder de aglutinação das tradições marítimas, visualizando-se a vastidão da área oceânica onde elas se manifestam. Os homens do mar, por arrostarem sempre a mesma vida e mutuamente se ajudarem, constituem, tradicionalmente, uma classe de espírito muito forte. E, como somente em períodos historicamente curtos de vêem em disputa pelo domínio, geográfico e cronologicamente limitado, domar, onde partilham alegrias e perigos, a fraternidade é a mais digna característica com que pautam o seu comportamento rotineiro.
      Nota-se, no homem do mar, um respeito comum à tradição, a qual dá grandeza e que o vincula a um extraordinário ânimo patriótico e a uma grande veneração dos valores espirituais que o ligam à comunidade nacional onde teve seu berço. Vive, internacionalmente, a percepção que tem da Pátria, perto ou distante. É, como dizia Joaquim Nabuco, “um sentimento unitário, nacional, impessoal”. A lembrança ou a imagem que dela tem o marinheiro não é maculada pelos regionalismos. Sua Pátria é um todo de tradições, que venera com a mesma força que aprendeu a honrar as que são comuns aos homens do mar. O respeito à tradição é uma característica que gera patriotismo sadio, fundamentado na valorização dos aspectos comuns ao seu grupo nacional em que a tradição se constitui em elemento comunitário, num poderoso aglutinador.
      O Poder Marítimo de um país constitui-se da capacidade de administrar e de dar apoio às atividades ligadas ao mar, Para isso, são necessários recursos de todos os tipos, do material ao humano. O Poder Naval, exercido pela marinha militar ou de guerra, é a parcela militar do Poder Marítimo, e dele se origina, para sua própria proteção e segurança, garantindo os meios necessários para utilização do potencial de sua águas. A essa marinha compete, com suas forças, bases navais, arsenais e estabelecimentos, garantir a capacidade de uso do mar, sejam quais forem as condições e ocasiões.
      Aos brasileiros, particularmente àqueles que se dedicam ao mar, mas não somente a eles, é conveniente possuir um conhecimento dos usos e costumes da gente do mar. Na Marinha do Brasil, eles são observados e chegam, às vezes, a figurar em regulamentos e documentos que os tornam obrigatórios. O Cerimonial da Marinha do Brasil ‘e uma publicação à parte, própria, que regulamenta e consagra os tradicionais usos navais, cujo conhecimento é conveniente aos que têm vinculação com o mar.
      Assim, a presente publicação se destina aos que servem à Marinha do Brasil, à Marinha Mercante e aos brasileiros vinculados a atividades marítimas. Trata, principalmente, dos usos e conhecimentos consagrados pelo tempo. Quando o jovem começa a carreira do mar vai aprendendo suas particularidades gradualmente, no dia-a-dia de suas atividades.
    A linguagem própria é um poderoso instrumento de aglutinação. Quando se serve a bordo, em navio de guerra ou mercante, deve-se procurar segui-la. Com respeito à tradição, aliados a coragem e ao orgulho do que fazem, os homens do mar provocam a integração da comunidade naval e marítima, favorecendo a conquista de eficiência máxima, tão necessária a seus propósitos e aspirações.
Assim, as tradições, as cerimônias e os usos marinheiros, juntamente com os costumes, t6em extraordinário poder de amalgamar e incentivar os que vivem do mar. Tendem, entretanto, a se tornar atos despidos de significado, quando sua explicação é perdida no tempo.
    A lembrança constante das razões dos atos e a sua explicação ou, quando for o caso, das versões de sua origem, promovem a compreensão, o incentivo e a incorporação da prática marinheira.

 

 

Algumas expressões da Marinha

 

"SAFO"

Safo é talvez a palavra mais usual na Marinha. Serve para tudo que está correndo bem, ou para tudo que faz as coisas correrem bem: "oficial safo, marinheiro safo. A faina está safa. A entrada é safa, pode demandar: não há bancos".

 

"ONÇA"

Onça é também uma expressão de grande uso. Significa dificuldade: "onça de dinheiro, onça de sobressalentes".

Estar na onça é estar em apuros. "A onça está solta", quer dizer que tudo vai mal.

Essa expressão vem de uma velha história de uma onça de circo, que era transportada a bordo de um navio mercante e se soltou da jaula, durante um temporal.

 

"SAFA ONÇA"

Safa onça é a combinação das duas expressões anteriores. Significa salvação. Safa onça é tudo que soluciona uma emergência. "Safei a onça, agarrando-me a uma tábua que flutuava...O meu safa onça foi um pedaço de queijo, que ainda restava no barco; do contrário, morreria de fome".

 

"PEGAR"

Pegar é o contrário de estar safo. Estar pegando significa que não está dando certo: "Tenente, o rancho está pegando! Não chegou a carne! Este marinheiro ainda está muito inexperiente: com ele tudo pega...Comandante, não pude chegar a tempo, a lancha pegou bem no meio da baía!"

Parece que a expressão vem de "pegar tempo", ou seja, pegar mau tempo. Fulano está pegando tempo, para resolver a primeira questão de sua prova...Aquele marujo não conseguiu safar-se para a parada: pegou tempo, para arranjar um boné novo".

 

"ROSCA FINA" E "VOGA LARGA'

Na gíria maruja, muitas expressões externam o universal bom humor ou espirituosidade que caracterizam os homens do mar. As expressões "rosca fina", "voga picada" e "voga larga" são alguns exemplos:

"Rosca fina" (ou ainda "voga picada") denomina o superior. Oficial ou Praça, que é exigente na observância das normas e regulamentos, bem como, na execução das fainas e tarefas, por si e pelos subordinados. O antônimo é o "voga larga ".

A origem do primeiro está no "aperto", na "pressão" impressa pelo chefe, comparada pelo marinheiro à do parafuso com rosca fina - que "aperta mais". A segunda vem de "voga", que é a velocidade da remada ditada pelo patrão aos remadores em uma embarcação a remos. Pode ser uma "voga picada" (regime de velocidade maior, portanto mais exaustivo para os remadores) ou "voga larga" (velocidade amena, mais calma, mais tranqüila).

 

Pesquisa :

www.mar.mil.br